Por Ricardo Viveiros
Em meio à prioritária luta pela preservação da vida, travada na linha de frente da ciência médica, buscam-se soluções para a sobrevivência da economia. Além de vidas é preciso salvar empresas, empregos, investimentos, tributos, retomar o nível de atividade após o domínio da Covid-19. Na pandemia, a única certeza é de que tudo é incerto.
Depois que o furacão passar, o mundo não será o mesmo. Algumas transformações, que estavam em andamento, deverão ser aceleradas, incluindo o uso de meios digitais, a intensificação do e-commerce e de tecnologias voltadas ao aprimoramento da qualidade e produtividade. No setor de serviços, entre outros, comprovou-se a viabilidade do home office, até com mais resultados.
Na agricultura de precisão, que contribui para racionalizar o uso seguro de fertilizantes e defensivos, tais mudanças não serão na mesma velocidade em todas as nações e, até mesmo, dentro de países como o Brasil, com assimetrias regionais. Deve-se levar em conta a questão da governança, distinta entre as empresas de maior porte e o grande número de produtores familiares. Em muitos casos, o tipo de gestão e os que comandam seguem modelos tradicionais. Aos poucos, vão sendo influenciados e aprendendo com os jovens, que agregam conhecimento acadêmico e expertise em tecnologias e práticas modernas.
Na área da saúde, há um ponto muito importante que a pandemia provou necessário: o prontuário digital. Esse avanço possibilita ao paciente e a qualquer médico que o esteja atendendo, terem acesso aos dados clínicos em qualquer lugar do País ou do Planeta. É fundamental que os profissionais que assistem um paciente possam acessar todas suas informações de saúde, incluindo eventuais comorbidades que podem agravar a Covid-19. O prontuário digital facilita e direciona o tratamento desde o início, ajuda a salvar vidas.
Por outro lado, como a humanidade está enfrentando um “inimigo” desconhecido, que a ataca há pouco mais de seis meses, é cedo para análises conclusivas do que vá acontecer após a pandemia. Algumas tendências de mudanças parecem adequadas e começam a ser levadas em conta. A digitalização, antes opcional e importante, torna-se irreversível e decisiva.
Algo muito visível está nas empresas de todos os segmentos que estão conseguindo atender bem neste momento. Elas deverão sair fortalecidas desta crise, com boas perspectivas de crescer, fidelizar clientes e conquistar novos. A Covid-19 está mostrando com mais clareza, também o caráter das organizações.
Algumas lutam para manter colaboradores, investir em qualidade, preservar o bom atendimento e a prestação de serviços de alto nível. Estas veem a pandemia como um momento de empenho coletivo e oportunidade de crescer na produtividade pela sinergia e liderança agregadora, participar de uma corrente ampla em prol do interesse coletivo.
Outras, veem a crise como chance para ajustar o quadro atual à demanda reduzida, diminuir qualidade, aumentar preços, menosprezar a entrega de bons produtos e serviços e exigir mais resultados como ação unilateral, descolocada do interesse geral na luta pela sobrevivência. Estas, por miopia empreendedora, estão se descapitalizando de algo em que investiram por anos: os recursos humanos, seu mais valioso patrimônio. Terão mais dificuldades para se recompor depois da crise.
O momento é de muita sensibilidade, ou seja, de extrema valorização de quem está ao lado da sociedade, do cliente, do fornecedor, dos parceiros e de seus próprios colaboradores. Empresas que souberem entender o momento e atender ao que se espera de organizações éticas, sairão fortalecidas da pandemia.
Outro aspecto que parece caminhar para mudança mais profunda é a horizontalização da produção. Tal conceito, difundido e desenvolvido desde que a Era Digital intensificou a globalização nos anos 1980, deverá ser revisto. A crise mostrou que a dependência de insumos, matérias-primas e produtos e/ou componentes de outros países coloca várias cadeias de suprimentos em risco.
É provável, assim, que as indústrias busquem um reposicionamento, com uma estrutura de produção mais autossuficiente no contexto de cada país e menos dependente de fornecedores externos. Surgem aí numerosas oportunidades para segmentos fornecedores de matéria-prima, peças, componentes e serviços para fábricas de bens de consumo e de capital, bem como na agroindústria.
A história demonstra que a civilização aprende pouco e esquece com rapidez os problemas depois das crises. Portanto, é preciso estar atento, quando a ciência solucionar o desafio biológico do novo coronavírus, o que certamente ocorrerá, a como as pessoas e as empresas emergirão: será aprendida a dura lição, ou retornarão à “normalidade” como se nada tivesse ocorrido? Se a maioria do setor produtivo vislumbrar um mundo com mais competição e liberalismo, em um momento em que a maior parte da população parece esperar mais cooperação e solidariedade dos donos do capital, teremos perdido a histórica oportunidade de evoluir para melhor.
Sobre o autor
Ricardo Viveiros, jornalista, escritor e professor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Membro Honorário da Academia Paulista de Educação (APE) e autor, entre outros, dos livros: “A vila que descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça seja feita” (Sesi), “Educação S/A” (Pearson).
Matéria: Ricardo Filinto e Ágata Marcelo/ Ricardo Viveiros & Associados Oficina de Comunicação