No dia 25 de novembro de 2023, completam-se quatro décadas do brutal assassinato que tentou silenciar uma das mais importantes vozes indígenas do país: foi naquele dia, no ano de 1983, que Marçal de Souza Tupã’i, grande liderança Guarani e Kaiowá, foi assassinado em sua casa, na aldeia Campestre, no município de Antônio João (MS), com cinco tiros.
Apesar do ato covarde e até hoje impune, a voz de Marçal ainda ecoa – e a luta dos Kaiowá e Guarani pela demarcação de suas terras no Mato Grosso do Sul segue viva e pulsante, apesar do cerco imposto pelo agronegócio aos territórios indígenas do estado.
Para celebrar sua luta e sua memória, o evento “Marçal, presente: memória dos 40 anos do assassinato de Marçal de Souza Tupã’i” será realizado entre os dias 22 e 25 de novembro, com diversas atividades distribuídas entre os municípios de Caarapó e Dourados (MS).
A atividade é realizada pela Aty Guasu – Grande Assembleia dos Povos Kaiowá e Guarani, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelos familiares de Marçal de Souza, pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
Entre as entidades e organizações apoiadoras estão a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Regional Oeste 1, o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), a Comissão Regional de Justiça e Paz (CRJP), a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) – regional Mato Grosso do Sul, do Movimento dos Trabalhadores rurais sem Terra (MST) e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida – Comitê Mato Grosso do Sul.
Atividades em escolas
A semana começa com homenagens à memória de Marçal, com atividades lúdicas e festivas e exibição de audiovisuais junto às escolas indígenas da Reserva Indígena de Dourados, nos dias 22 e 23 de novembro.
Estas atividades são organizadas pela coordenadoria de cultura da UFGD e pelo Projeto de Extensão “Aproximando universidade e escola, teoria e prática: oficinas de história e cultura indígena nos campos de estágio”, com a colaboração de estudantes de graduação e pós-graduação do curso de História da UFGD.
Reencontro simbólico
Em 1980, a voz de Marçal marcou o Brasil e o mundo. Foi naquele ano que, em Manaus (AM), o líder Guarani Nhandeva discursou ao Papa São João Paulo II, denunciando a dura realidade não só de seu povo, mas de todos os povos indígenas do Brasil. Foi um momento decisivo para a causa indígena.
Quarenta anos depois, os Guarani e Kaiowá receberão uma carta enviada pelo atual pontífice, Papa Francisco, em resposta a uma manifestação entregue a ele em maio deste ano. A carta, destinada à Aty Guasu, será entregue simbolicamente pelo bispo de Dourados, Dom Henrique Aparecido de Lima, representando a Igreja local, à Assembleia Geral dos Kaiowá e Guarani, no tekoha Kunumi Vera, em Caarapó, no dia 24 de novembro.
Neste mesmo dia, será realizado também um ato em memória de outra importante liderança Kaiowá e Guarani que partiu recentemente, Damiana Cavanha, no tekoha Apyka’i. Em Dourados, no final da tarde, o grupo Teatro Imaginário Maracangalha apresentará a Memória martirial encenada: Vida e história de Marçal Tupã’i.
Terra sem males
À noite, o primeiro dia em homenagem de Marçal será encerrado com a Missa da Terra Sem Males, na catedral de Dourados, celebrada a partir das 18h30, em horário local, por Dom Leonardo Ulrich Steiner, cardeal-arcebispo de Manaus e presidente do Cimi, e concelebrada por Dom Henrique Aparecido de Lima, bispo de Dourados.
A missa é uma reedição da celebração realizada originalmente em 1979, que foi um marco na redefinição da relação entre a Igreja Católica e os povos indígenas. A missa simbolizou o reconhecimento do genocídio e do etnocídio praticado ao longo de cinco séculos contra os povos originários e a afirmação do compromisso com o respeito e o apoio da Igreja à causa indígena.
A missa em homenagem a Marçal terá a participação de Martin Coplas, compositor argentino que musicou a celebração original, em 1979.
Marçal, hoje
O dia 25 de novembro será marcado por uma série de atividades de debate e discussão sobre o legado de Marçal, a luta por justiça e pela demarcação dos territórios indígenas Kaiowá e Guarani no Mato Grosso do Sul.
À tarde, o evento será encerrado com o ato Tekoporaha: memória, luta e resistência de Marçal de Souza, realizado na casa de Marçal na aldeia Jaguapiru, Reserva Indígena de Dourados.
Confira, abaixo, a programação completa:
PROGRAMAÇÃO COMPLETA
(horário local)
Dia 22/11
Atividades lúdicas, audiovisuais e festivas sobre a vida e as lutas de Marçal de Souza, Tupã’i
Horário: 8h
Local: Escola Municipal Indígena Agustinho, aldeia Bororó, Reserva de Dourados
Dia 23/11
Atividades lúdicas, audiovisuais e festivas sobre a vida e as lutas de Marçal de Souza, Tupã’i
Horário: 8h
Local: Escola Municipal Indígena Tengatuí Marangatu, na aldeia Jaguapiru, Reserva Indígena de Dourados
Atividades lúdicas, audiovisuais e festivas sobre a vida e as lutas de Marçal de Souza, Tupã’i
Horário: 14h
Local: Escola Municipal Indígena Ramão Martins, na aldeia Jaguapiru, Reserva Indígena de Dourados
Dia 24/11
Aty Guasu – entrega da carta do Papa Francisco aos Kaiowá e Guarani
Horário: 8h
Local: Tekoha Kunumi Vera, Caarapó (MS)
Ato público: Apyka’ i Vive! Damiana Presente!
Horário: 11h30
Local: Tekoha Apyka’i, rodovia MS-463
Tarde formativa
Missão junto aos povos indígenas em tempos de sinodalidade
Horário: 14h
Local: Instituto Pastoral da Diocese de Dourados (IPAD)
Memória martirial encenada: Vida e história de Marçal Tupã’i
Encenado pelo grupo Teatro Imaginário Maracangalha
Horário: 18h
Local: Praça central Antônio João, Dourados (MS)
Celebração da Missa da Terra Sem Males
Celebrada por Dom Leonardo Ulrich Steiner, cardeal-arcebispo de Manaus e presidente do Cimi, e por Dom Henrique Aparecido de Lima, bispo de Dourados
Horário: 18h30
Local: Catedral de Dourados (MS)
Dia 25/11
Resistência e memória: Marçal 40 anos, presente!
Abertura
Reza tradicional dos Nhanderu e Nhandesy Kaiowá e Guarani
Horário: 8h
Local: Cine-auditório Central, Unidade 1, UFGD
Mesa de debate
Marçal: história, presença e futuro nas lutas indígenas
Participantes: Edina de Souza, filha de Marçal de Souza; Teodora de Souza, sobrinha de Marçal; Inaye Kaiowá; Jorge Kaiowá, liderança do tekoha Pirakua
Horário: 8h30
Local: Cine-auditório Central, Unidade 1, UFGD
Mesa de debate
Justiça por Marçal e para os mártires da causa Guarani
Participantes: Paulo Suess, assessor teológico do Cimi; Egydio Schwade, membro-fundador do Cimi; Marco Antonio Delfino, integrante do Ministério Público Federal (MPF/MS); Egon Heck, membro-fundador do Cimi
Horário: 10h30
Local: Cine-auditório Central, Unidade 1, UFGD
Tekoporaha: memória, luta e resistência de Marçal de Souza
Horário: 14h
Local: Casa do Marçal de Souza na aldeia Jaguapiru, Reserva Indígena de Dourados
HISTÓRICO: UM MÁRTIR GUARANI E KAIOWÁ
“Somos uma nação subjugada pelos potentes, uma nação espoliada, uma nação que está morrendo aos poucos sem encontrar o caminho, porque aqueles que nos tomaram este chão não têm dado condições para a nossa sobrevivência. Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são diminuídos, não temos mais condições de sobrevivência. Trazemos à Sua Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte dos nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam o nosso chão, aquilo que para nós representa a nossa própria vida e a nossa sobrevivência nesse grande Brasil” – Marçal de Souza Tupã’i, em sua fala ao Papa João Paulo II
Marçal de Souza – ou Tupã’i, “pequeno deus Tupã”, seu nome de batismo Guarani – foi perseguido, ameaçado e morto em razão da luta à qual dedicou sua vida, em defesa dos direitos não só dos povos Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, mas de toda a população indígena brasileira.
Marçal nasceu no dia 24 de dezembro de 1920, em Ponta Porã (MS), quando os territórios Kaiowá e Guarani do sul do Mato Grosso do Sul se encontravam sob o domínio da Companhia Matte Laranjeira, que explorava a mão de obra indígena nas ervateiras da região.
Assim como a interrupção brutal da vida de Marçal é exemplar do destino de muitas lideranças indígenas, assassinadas impunemente por lutar por terra, justiça e dignidade, sua trajetória reflete também os descaminhos e o cerco a que os Guarani e Kaiowá foram submetidos no Mato Grosso do Sul.
A pressão das políticas desenvolvimentistas e colonizadoras, o autoritarismo e a tutela estatais – primeiro do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), depois da própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), criada sob os ares repressivos da Ditadura Militar – e a opressão do agronegócio significaram, para Marçal e seu povo, o confinamento em áreas diminutas de seu próprio território, com cada vez menos autonomia.
“Vivemos de teimosia. Nós temos que teimar, meus irmãos, teimar e bater e bater e lutar e lutar para poder sobreviver neste país tão imenso e tão grande que foi nosso e que foi todo roubado de nós”, sintetizou ele.
De Ponta Porã, a família de Marçal mudou-se para a aldeia Tey’i Kue, em Caarapó (MS), e pouco tempo depois para a aldeia Jaguapiru, na Reserva Indígena de Dourados (MS). Órfão aos sete anos de idade, Marçal foi acolhido pela Missão Caiuá, onde trabalhou como professor, intérprete e missionário da Igreja Presbiteriana.
Na década de 1940, conheceu antropólogos como Egon Schaden e Darcy Ribeiro, a quem serviu como tradutor e intérprete da cultura Guarani – e impressionou por sua inteligência e pelas palavras sempre afiadas. “Marçal foi a mais eloquente voz de defesa da causa indígena que já ouvi”, afirmou Darcy Ribeiro.
Em 1959, formou-se auxiliar de enfermagem e, de 1963 a 1972, foi capitão do Posto Indígena de Dourados, tornando-se funcionário do SPI e, depois, da Funai.
Por não compactuar com o autoritarismo e a perspectiva integracionista que vigorava nestes órgãos, especialmente durante a Ditadura, foi substituído e passou a ser perseguido – chegando, inclusive, a ser espancado.
“Por sua prática diferente, conscientizadora e humana, em 1972, Marçal foi afastado do cargo de capitão, passando a exercer apenas a função de atendente de enfermagem. Era uma maneira de diminuir sua influência na área”, registra o historiador Benedito Prezia.
Na década de 1970, passou a participar das primeiras Assembleias de Chefes Indígenas, incentivadas pelo também nascente Cimi. Nestes espaços de articulação nacional, firmou-se como uma liderança não apenas de seu povo, mas de todos os povos indígenas do Brasil.
Em 1980, participou da fundação da União das Nações Indígenas (UNI), primeira articulação do movimento indígena de cunho nacional, da qual foi seu primeiro vice-presidente.
Naquele mesmo ano, por sua inteligência, experiência e capacidade retórica, foi escolhido pelo movimento indígena para falar ao Papa João Paulo II, no encontro que ocorreu em Manaus. Sua fala antológica foi um marco para a denúncia da realidade dos povos indígenas do Brasil.
A partir de então, as ameaças se intensificaram ainda mais: Marçal, como confidenciou mais de uma vez, estava marcado para morrer. Apesar disso, não arrefeceu em sua luta. Naquele mesmo ano, foi viver na aldeia Campestre, em Antônio João, e passou a acompanhar famílias Kaiowá que haviam conseguido resistir à pressão dos fazendeiros numa pequena área, chamada Pirakua.
Além das ameaças, chegou a ser alvo de uma tentativa de suborno: cinco milhões de cruzeiros para persuadir os Kaiowá a desistirem do Pirakua. Negou a oferta e seguiu apoiando a luta de seus “patrícios”, como costumava dizer.
Apesar das diversas denúncias a variados órgãos do Estado, Marçal não recebeu nenhuma proteção contra as ameaças: para os poderes militar e agrário, era um indesejado. E assim foi que, na noite de 25 de novembro, encontrou a morte numa emboscada.
As investigações e o julgamento dos assassinos se estenderam por décadas, de forma morosa. Um dos principais suspeitos, Rômulo Gamarra, funcionário do fazendeiro Líbero Monteiro de Lima, chegou a ser preso durante poucos meses de 1984.
Os exames de balística provaram que um dos projéteis que atingiram Marçal saiu do seu revólver. Apesar disso, em 1993, os acusados do crime foram a júri popular e absolvidos por falta de provas.
“Para compreender o assassinato de Marçal, que é paradigmático para tantas vidas ceifadas no Brasil e em toda América Latina, precisamos situá-lo no contexto da ocupação dos territórios indígenas por conquistadores, colonizadores e promotores do agronegócio”, avalia Paulo Suess, assessor teológico do Cimi. “Morreu mártir político, sem partido, e profeta, sem igreja”.


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