Por Oberdan Pandolfi Ermita – economista.
É possível, sim, concertar os interesses que compõem a equação amazônica, hoje estancada em um debate político polarizado e estéril. Urge um diagnóstico realista e corajoso, que pavimente o caminho entre anseios e realidade. Empacado em perigosa zona de conforto, o debate prestigia os extremos em conflito. Uns querem destruir totalmente, outros manter a Amazônia intocada. No centro, 29 milhões de amazônidas fazem no cotidiano a escolha entre preservar e sobreviver.
De forma simplificada, prevalecem dois extremos de percepção da questão amazônica.
Num lado, os defensores incongruentes da liberdade invocam princípios como propriedade privada, soberania, livre iniciativa, mas não aceitam cumprir o código ambiental. Naquilo que lhes convém, clamam pela Lei. Argumentam que a questão ambiental é mero protecionismo, e as mudanças climáticas um pano de fundo para o neocolonialismo.
No outro extremo, os ambientalistas neomalthusianos acreditam num cataclisma ambiental global e defendem uma Amazônia intocável, trazendo propostas cada vez mais restritivas. Não aceitam o código ambiental como um instrumento soberano e legítimo. Nutrem a polarização entre “agronegócio e agricultura familiar”. Ao questionarem a legitimidade da propriedade privada, inibem soluções como o pagamento por serviços ambientais.
A edição do código ambiental foi precedida de longo debate em nossa sociedade, equacionou um emaranhado de leis anteriores, buscou legalizar quem queria cumprir a Lei.
Mas a sua efetiva implementação não é tão simples, porque na visão de uns, a regularização ambiental e também a fundiária representam uma ameaça existencial para o Planeta, porque torna legítimo desmatar até 20% de área dos imóveis na Amazonia, alguns destes imóveis, argumentam, apropriados de áreas públicas ou de povos tradicionais. Insistem que no Brasil têm pelo menos 120 milhões hectares já desmatados, que estão subutilizadas produtivamente ou que servem apenas para especulação imobiliária, há espaço para produzir sem desmatar. Para outros, protelar permite conviver com a ilegalidade e não ter que arcar com o ônus de reflorestar áreas produtivas ocupadas
irregularmente. Enquanto polos antagônicos se enfrentam e se sabotam, o desmatamento avança.
Os produtores brasileiros devem reduzir parte produtiva de seus imóveis em reservas ambientais (no caso do bioma Amazônia 80%). É como construir um hotel, mas não poder utilizar comercialmente todos os seus apartamentos. É um problema de alocação eficiente de recursos e também um paradoxo, porque os serviços ambientais resultantes da preservação são um bem público (usufruídos por toda a humanidade), mas suportados por ônus e risco de um privado. É preciso considerar o pagamento pelos serviços ambientais.
O Brasil é dono de 851.000.000 hectares, dos quais pode-se considerar que 25% (212 milhões de hectares) são reservas ambientais privadas, mantidas pelos proprietários de terra. Considerando o custo de oportunidade da atividade pecuária (segundo dados da Inttegra, um ganho médio de R$ 400,00/hectare/ano) remunerar 212 milhões de hectares custaria anualmente cerca de US$ 16 bilhões de dólares. E quanto vale para humanidade a preservação de 212 milhões de hectares, convertida em mitigação dos gases de efeito estufa e de riscos diversos derivados das mudanças climáticas?
O orçamento do setor bélico global equivale a 2,2% de US$ 96,5 trilhões, ou seja US$ 2,2 trilhões/ano. Ora, investir US$ 16 bilhões de dólares em preservação efetiva representaria apenas 0,2% do PIB planetário.
Em contrapartida, o produtor deveria considerar que não faz sentido avançar em desmatamento, mesmo legal, que o caminho da incorporação tecnológica permite romper com ciclo vicioso de baixa produtividade, baixa renda e pressão sobre novas áreas.
Um pacto entre produtores rurais, outros atores econômicos, ambientalistas e as perspectivas da Ciência e do Estado começa pelo desarme de preconceitos e ideologias. As soluções tecnológicas que assegurem emprego e renda sustentáveis, comprometidos com a responsabilidade social, ambiental e econômica já existem. As moedas de troca para a construção desse pacto são pagamento pelos serviços ambientais, a inclusão tecnológica e a moratória do desmatamento.
*Oberdan Pandolfi Ermita é economista, produtor rural e dirigente cooperativista