Em 2017, numa decisão inédita, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a natureza comprovadamente cancerígena de todos os tipos de asbesto (ou amianto); considerou constitucionais as leis de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco, proibindo a exploração do amianto em seus estados e declarou a inconstitucionalidade do artigo da lei federal que permitia seu uso em todo território nacional. Depois de 2 anos da proibição, a Assembleia Legislativa de Goiás aprovou uma lei permitindo a continuidade de operação da mina que extrai a fibra assassina no estado.
“O STF considerou as leis estaduais que proibiam o uso do amianto constitucionais, porque eram mais protetivas do que a lei Federal, que na época ainda permitia o uso de um único tipo de amianto. Em seguida, decidiram pela inconstitucionalidade do artigo da lei Federal que ainda permitia o uso desse mineral. Ou seja, o amianto deveria estar banido de todo o Brasil”, explica o deputado estadual Marcos Martins, autor da lei que proíbe o amianto no Estado de São Paulo, um dos textos julgados constitucionais pelo STF naquela ocasião.
Lei Caiado
Apesar da proibição a nível nacional, a lei 20.514/2019, conhecida como Lei Caiado (em alusão ao governador que a sancionou), garantiu que ainda hoje, 6 anos depois da proibição na Suprema Corte, a mina continuasse operando a todo vapor. Mas não sem uma contraposição: imediatamente após a sanção da Lei Caiado, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) ajuizou no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pedindo sua revogação. Ainda em 2019, esta ADI chegou às mãos do ministro Alexandre de Moraes e só agora, em 2023, entrou na pauta do Plenário Virtual do Supremo.
Desamiantização
Enquanto o pedido de inconstitucionalidade tramita no STF e a mina em Goiás segue ativa, as entidades e movimentos de luta pelo banimento do amianto se mantém alertas. “A questão que se coloca é que, embora banido, o amianto está em toda parte. Existe um enorme passivo a ser removido e destinado de forma sustentável, além da necessidade do descomissionamento de instalações contaminadas, em especial a mina de Cana Brava em Minaçu (GO), para o qual existe um vácuo jurídico, uma anomia, que o PL 3684/23 pretende preencher”, destacou a engenheira do trabalho e fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA), dra. Fernanda Giannasi.
PL 3684/23
A dra. Fernanda se refere a um projeto de autoria do deputado Federal Nilto Tatto, protocolado nesta semana na Câmara dos Deputados, que incide sobre a remoção, o transporte e a destinação dos resíduos de amianto, entre outras providências para finalmente eliminar os riscos da exposição ao mineral cancerígeno. “o PL 3684/23 também tem o objetivo de revogar qualquer resquício das legislações anteriores que porventura deem sustentação à tese já superada do uso seguro ou controlado do amianto”, completou Tatto, autor do projeto de lei.
“O relator da ADI, Alexandre de Moraes, votou pela inconstitucionalidade da Lei Caiado, mas concedendo o prazo de um ano para que as atividades de mineração sejam encerradas. Mais um ano contaminando pessoas e o meio ambiente. Queremos que as atividades sejam encerradas agora”, explica Eliezer João de Souza, presidente da ABREA. Eliezer foi contaminado por amianto quando trabalhou na maior fábrica da Eternit na América Latina, entre 1968 e 1981, em Osasco (SP). “Essa fábrica fechou há 30 anos, mas deixou um enorme passivo ambiental e de trabalhadores contaminados. Carapicuíba (cidade vizinha), recebeu boa parte do lixo perigoso dessa fábrica, descartado sem qualquer cuidado e que provavelmente segue contaminando. Por isso a urgência de se aprovar um projeto sobre a desamiantização”, completa Eliezer.
A desamiantização no mundo
O texto foi protocolado justamente enquanto diversos países do mundo já se debruçaram e outros ainda se debruçam sobre o processo de “desamiantização”. Nesse ponto, “o Brasil ainda caminha a passos de tartaruga”, complementou o deputado. Em 2014, durante a remoção de amianto de um andar do Capitólio, em Washington (EUA), o prédio inteiro acabou interditado. No ano seguinte, em 2015, foi a vez da Rainha Elizabeth II deixar temporariamente o Palácio de Buckingham, para obras de retirada do mineral cancerígeno do castelo real – o mesmo aconteceu com o parlamento daquele País.
Aonde estamos
Enquanto você lê este texto, autoridades argentinas estão fechando 4 linhas de metrô de Buenos Aires para obras que incluem a retirada de amianto. “Enquanto associações, entidades, técnicos, acadêmicos, lideranças sociais e parlamentares seguem na luta pelo fim do mineral assassino, o Brasil ainda nem começou seu processo de desamiantização”, completa Nilto Tatto.
ASCOM