Por José Ricardo Armentano – advogado
Eis um retrato cruel da miséria humana: técnicos de enfermagem do Rio de Janeiro dissimulam a aplicação da vacina contra o covid-19 em idosos.
Uma auxiliar de enfermagem da prefeitura de Campo Limpo Paulista, no interior de São Paulo, foi suspensa após ter sido acusada de não aplicar uma dose da vacina AstraZeneca contra a Covid-19 em um idoso de 67 anos. A aplicação foi filmada e gerou a abertura de um boletim de ocorrência por parte do município. O incidente aconteceu no dia 08 de maio em ginásio da cidade onde ocorria a vacinação contra a Covid. No vídeo, que circula nas redes sociais, é possível ver que a auxiliar fura o braço do idoso com a agulha da seringa, mas não pressiona o êmbolo.
Convenhamos, isso — caso venha a ser, de fato, ser comprovado — é, no mínimo, imoral e revoltante, principalmente se levarmos em conta o envolvimento, nesse tipo de episódio, de profissionais da saúde, de quem se espera, no mínimo, compaixão e dignidade no tratamento daqueles que, em condição de vulnerabilidade e aterrorizados com a possibilidade de perderem as respectivas vidas por conta do covid-19, veem na vacina a solução de todos males decorrentes da pandemia.
É importante destacar que o caso em questão ensejou a imediata reação das autoridades policiais do Rio de Janeiro, que passaram a apurar a prática de possível crime de peculato.
Aliás, oportuno se faz ressaltar que o peculato, em linhas gerais, é um crime tipificado no Código Penal e consiste, basicamente, na apropriação, por funcionário público, de bem, público ou particular, em relação ao qual ele tem a posse em razão do cargo que exerce. Também, nessas condições, é considerado peculato a hipótese em que há desvio desse bem, tanto para proveito próprio quanto alheio.
Segundo dispõe o artigo 312 do Código Penal:
Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
E se porventura os técnicos de enfermagem envolvidos nesse episódio não forem funcionários públicos, mas, em vez disso, trabalhadores de empresas privadas especialmente contratadas para executar a vacinação da população?
Ainda assim estaremos diante de um crime de peculato. E isso porque o conceito de funcionário público, para efeito de caracterização desse crime, é bem amplo e abrange, inclusive, os trabalhadores de empresas privadas que exercem função típica da administração pública.
Por se tratar de questão extremamente grave no contexto da pandemia, a eventual conduta dissimulada na aplicação das vacinas e o possível desvio delas deverão ser apurados com rigor.
Comprovado o desvio de vacinas, deverão os técnicos de enfermagem envolvidos nesse lastimável episódio, sem prejuízo das demais sanções de ordem administrativa cabíveis, ser punidos exemplarmente no âmbito penal, vez que tolerância e condescendência com criminosos desse escol são incompatíveis com aquilo que se espera de valorosos e importantes profissionais da saúde para o enfrentamento da grave crise pandêmica que o país atravessa.
*José Ricardo Armentano é advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL
Matéria: Débora da Mata/ Jornalista