O professor de História e vereador Uberdan Cardoso, sensibilizado com a morte do caminhoneiro conhecido como Calabau, que morava no São Benedito, em Santo Antônio de Jesus, e foi encontrado morto na tarde deste último sábado (13), na cabine de um caminhão, no município de Ribeira do Pombal (BA), prestou uma homenagem ao seu amigo. Confira:
Conheci Calabau, Menino. Já tínhamos mais de vinte anos, é verdade, mas ele era um Menino. Moleque, na essência da palavra. Nunca foi elevado à categoria de Malandro pois, embora tentasse e até tivesse o charme dos Malandros, faltava-lhe mais que a navalha no bolso e o chapéu de Panamá.
Era um sujeito engraçado e desenbolado. Ás vezes! Podia chegar em casa de madrugada com uma flor ou um verso na ponta da língua e transformar em sorriso o enfezamento da mulher ou se atrapalhar sozinho numa “patota” mal feita no baralho.
Calabau adorava jogar cartas, e dominó, e qualquer jogo que o desafiasse. Aprendia, e em pouco tempo já demonstrava destreza impecável. Exceto no futebol, mesmo que ainda tenha tentado e por alguns anos acordasse cedo para ir comigo aos Babas do Sociedade Esportiva Meota.
A sua natureza não lhe deixava alcançar o status de “Malandro”. Calabau tropeçava em sua ligeireza e pensava ser invisível onde todos o viam. Quando se apropriava de um truque, a sua bondade o denunciava. Dizia que nasceu para “jogo e brega!” mas sabia que era mentira.
Não lembro de tê-lo ouvido rogar praga ou desejar mal a um só vivente e tinha sonhos suficientemente simples e realizáveis. Foi Carregador de Farinha por um bom tempo mas sonhava ser Motorista de Caminhão. Conseguiu!
Adorava dançar e quando surgiu o “arrocha” parecia ter sido ele, o inventor, tamanho o molejo. Sem falar que quando “tirava” para cantar, ninguém o segurava no pot pourri de samba reggae do final dos anos 80.
Calabau casou com quem amou de verdade. Namorou na porta, noivou, tomou curso de batismo, casou e até frequentava encontro de casais. Tornou-se um “pai de família” mas não perdeu o que tinha de melhor: a sua Identidade!
Tornou-se dono de bar, mesmo com os avisos de que “macaco não negocia com banana”. E foi feliz do jeito que deu. Com as dificuldades comuns, o filho de Dona Neusa foi lidando com os desafios e, aparentemente, vencendo-os!
Parecia um daqueles Capitães da Areia, sabe? Salvo por todas as mãos que estivessem próximas a lhe socorrer. Um dia desses me disseram que Calabau estava andando triste. Mas, como? Perguntei. Se semana passada ele me indagou sorridente: “Que dia a gente vai em Aratuipe?”
Tínhamos, eu e ele, duas brincadeiras de longa data: A de surpreender o outro com um tapinha nas costas numa espécie de “Te peguei Vacilão!” e de dividir, sempre que podíamos, uma dose de cachaça com laranja.
O curioso é que, para isso, havia um ritual. A dose, no copo, nos esperava, mas ele NUNCA bebia primeiro. Era dele o segundo gole, pra “matar”, como dizia. E como eu sabia da sua sede e pressa, matracava…
Eram momentos engraçadíssimos! Eu, pegando o copo, conversando e demorando a beber e ele ansioso, implorando: ” bebe Fí de Deus, bebe Fí de Nossa Senhora…!”
Pois é, hoje eu tô indo ali sepultar Calabau.
O moleque, ontem, dizem, brincou de tirar a própria vida.
Deve ter pensado assim: Vou ali, me mato e volto! Crendo, na certa, que era Malandro. Não era!
Hoje eu Vou beber a dose sozinho. Num gole só. De tristeza, num gole só!
UBERDAN CARDOSO