Padre Antônio Vieira no “Sermão de Santo Antônio” ensina que o sal tem duas funções, a de conservar o alimento são e a de impedir que este estrague, que se corrompa. Da mesma forma, o tributo deve ser concebido, regulado e aplicado de modo a permitir a boa conservação do contribuinte e o devido cumprimento da obrigação tributária, sem ser pesado a ponto de corrompê-lo. Trata-se, fora de dúvida, de princípio a ser observado por todos aqueles envolvidos em matéria tributária.
Em tempos de crise econômico-financeira decorrente da pandemia da COVID-19, com um isolamento social impensável nestes tempos, o Legislador e a Administração Tributária devem, mais do que nunca, se atentar a tal princípio, inerente ao princípio da preservação da empresa e do indivíduo.
Neste sentido, medidas já vêm sendo estudadas e tomadas a fim de aliviar o contribuinte, com redução de carga tributária, instituição de possibilidade de transação extraordinária, prorrogação de vencimento de tributos, postergação de data máxima de cumprimento de obrigações acessórias, e facilitações em outras questões procedimentais etc. Abordamos abaixo algumas destas medidas, sendo muito provável que, conforme já se noticia, outras virão até que esta crise se encerre. Contribuintes, por outro lado, já sentindo fortemente os efeitos desta crise, vem procurando o Poder Judiciário a fim de obter postergações de tributos, sem penalidades e, em alguns casos, vêm logrando êxito na obtenção de medidas liminares.
Indicamos, abaixo, algumas das importantes medidas tributárias adotadas no combate à crise da COVID-19 na esfera federal, que, certamente, serão seguidas de outras. Estados também vem tomando medidas similares.
No que toca à redução da carga tributária federal, três importantes medidas foram tomadas.
A primeira medida objetiva reduzir o custo do crédito, e estimular a economia. Ela é constituída pela redução a zero das alíquotas de IOF-Crédito, para operações de crédito contratadas no período entre 03/04/2020 e 03/07/2020. Tal redução beneficia empréstimos realizados sob qualquer modalidade; operação de desconto, inclusive na alienação para empresas de factoring de direitos creditórios de vendas a prazo; adiantamentos a depositantes; excessos de limite; financiamento para aquisição de imóveis não residenciais; bem como a renovações, prorrogações, novações, consolidação de dívida e assemelhados. A redução em questão vale para operações contratadas no período acima indicado, independentemente da data do vencimento.
A segunda ação é a redução temporária das contribuições de terceiros, do Sistema “S”, aplicável para o período entre 01/04/2020 e 30/06/2020. Trata-se de medida que busca aliviar a carga tributária do empresário no segundo trimestre de 2020, por conta das dificuldades econômicas causadas pela COVID-19. As alíquotas foram, em geral, reduzidas pela metade, de modo que as contribuições para o SESI foram reduzidas de 1,5% para 0,75%, do SENAI de 1% para 0,5%, do SESCOOP de 2,5% para 1,25%, e assim por diante.
A terceira medida é a desoneração da carga tributária de itens de uso médico-hospitalar como álcool etílico, desinfetantes, gel antisséptico, vestuário e seus acessórios de proteção, de plástico, aparelhos de eletro diagnóstico etc. Essa desoneração foi viabilizada pela redução temporária, e com validade até 30/09/2020, da alíquota do imposto de importação para zero, e desoneração do imposto sobre produtos industrializados.
Além disso, a Receita Federal do Brasil prorrogou, para agosto e outubro de 2020, o vencimento de contribuições sociais relativas às competências dos meses de março e abril de 2020 respectivamente. Essa postergação abrange as contribuições previdenciárias sobre a folha (cota patronal, RAT e a do segurado contribuinte individual), o Funrural (da agroindústria, do produtor rural pessoa jurídica e do empregador pessoa física), a contribuição previdenciária do empregador doméstico, as contribuições ao PIS/Pasep e da COFINS, e a chamada “CPRB”, também conhecida como contribuição da desoneração da folha. Para empresas no SIMPLES, também foram postergadas as datas máximas de recolhimento, relativas aos meses de março, abril e maio de 2020, para outubro, novembro e dezembro deste ano.
Não menos importante é a postergação da data de vencimento de obrigações acessórias, eis que permite ao empreendedor, na medida do possível, focar todas suas forças na atividade geradora de renda de seu negócio, planejar as férias de sua equipe para coincidir com o período da quarentena (quando seu estabelecimento está fisicamente fechado), ou mesmo reunir dados, informações e comprovantes para cumprimento de tais obrigações. Neste sentido, a Receita Federal prorrogou a data de vencimento para apresentação da EFD-Contribuições e da DCTF, de março, abril e maio de 2020, para o décimo e décimo quinto dia útil de julho respectivamente. Da mesma forma, foi prorrogada para 30 de junho de 2020 a data de apresentação da declaração de imposto de renda da pessoa física, da declaração final de espólio e de saída definitiva, incluindo as datas de recolhimento do saldo de IR ou quota única.
Sob as novas regras de transação tributária, e a fim de viabilizar a superação dos efeitos decorrentes da crise da COVID-19, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional introduziu novas condições para parcelamento especial de débitos inscritos na dívida ativa, inclusive daqueles já parcelados. O parcelamento pode ser realizado em até 84 meses para contribuintes em geral (7 anos), e em até 100 meses (um pouco mais que oito anos) para pessoas físicas, micro e pequenas empresas, com o pagamento de entrada correspondente a 1% do valor dos débitos, que corresponde às primeiras três prestações. A primeira prestação vencerá no último dia útil de junho de 2020. O prazo de adesão desta transação extraordinária, originalmente até 25 de março, foi prorrogado para até a data final de vigência da Medida Provisória 899/2019.
Várias medidas procedimentais, no âmbito da Receita Federal do Brasil e da PGFN, foram adotadas e certamente serão importantes na superação desta crise, tais como, na esfera da RFB, a prorrogação do prazo de validade de certidões negativas, válidas no dia 23 de março de 2020, por noventa dias; suspensão de prazos até o fim de maio envolvendo intimações eletrônicas de cobrança, notificações de malha fina relacionadas ao imposto de renda da pessoa física, procedimento de exclusão de parcelamento por inadimplemento, dentre outros; suspensão, no âmbito da PGFN, por noventa dias de prazos relacionados a protestos de certidões de dívida ativa, ao início de procedimentos para exclusão de contribuintes de parcelamentos administrados pela PGFN por inadimplência, dentre outros.
Como se verifica, várias ações estão sendo tomadas com o escopo de acomodar a legislação tributária federal e sua aplicação às dificuldades geradas pela COVID-19. Pode-se, é claro, afirmar que são tímidas, que não são suficientes, mas não que o Legislador e a Administração Tributária se quedaram inertes. Pode também haver casos específicos que demandem intervenção do Judiciário, com vistas a proteger um determinado setor ou contribuinte, permitindo a preservação da empresa, enquanto fonte geradora de riqueza, empregos e tributos, o que deve ser examinado caso a caso. A evolução da pandemia, com novas prorrogações da quarentena e os respectivos efeitos na economia, será o termômetro para que eventualmente se reconheça a necessidade de mais sal, ou seja, de maximização das medidas já adotadas e de introdução de outras, o que deverá ser implementado de forma imediata.
Sobre o autor
Antonio Carlos de Almeida Amendola é advogado, graduado em Direito pela PUC/SP, possui mestrado em Master of Laws – LL.M. – Cornell University e em Direito Econômico e Financeiro pela USP, e é conselheiro da Associação dos Advogados (AASP)
Matéria: Reinaldo De Maria/ AASP