O advogado e Professor Ives Gandra da Silva Martins, representando a União dos Juristas Católicos de São Paulo, na ADPF 442 (descriminalização do aborto até 12 semanas), enviou na quarta-feira, 20/9, aos ministros do Supremo Tribunal Federal a sustentação oral virtual que segue.
Representando a União dos Juristas Católicos de São Paulo, na DPF 442, eu gostaria de trazer as considerações e sustentação oral virtual para a eminente presidente desta Corte, a eminente ministra Carmen Lúcia, os eminentes ministros aqui presentes. Levantar uma preliminar.
Tenho participado de audiências públicas no Congresso Nacional para discutir projetos de aborto. No momento, nós temos uma legislação que é o Código Penal, no artigo 128, e estão discutindo o projeto no Congresso Nacional que, de rigor, é aquele que tem competência normativa e que, pelo artigo 49, inciso 11 da Constituição, tem que zelar pela sua competência normativa perante o Poder Judiciário e perante o Poder Executivo.
O que vale dizer, não poderia haver uma invasão de competência em matéria que está sendo discutida, como os senhores devem ter lido na Folha de S. Paulo, no Estado de S. Paulo e, talvez, em outros jornais, há um desconforto no Congresso Nacional, senadores dizendo que a competência de legislar é deles e não da Suprema Corte.
E, a meu ver, é o que está no artigo que diz que a Suprema Corte tem uma função extremamente importante de ser guardiã da Constituição, mas não legisladora complementar. Então, a primeira observação é que essa ADPF deveria não ser conhecida, porque && ; ;eac ute; matéria que foge à competência do Poder Judiciário. Queria apresentar, em relação ao mérito, alguns outros elementos.
O primeiro deles, eu e mais 140 professores universitários de todos os continentes, de diversos países, entre os quais 30 ex–julgadores e magistrados de tribunais superiores de diversos países, fomos admitidos como amici curiae na questão que unificou a jurisprud& ecir c;ncia da Suprema Corte americana sobre o aborto.
Naquela questão, o Estado de Mississipi dizia que não era matéria constitucional, que não era matéria da competência da Suprema Corte e que o Estado de Mississipi tinha a razão de dizer que teria que ser decidido pelos governos locais.
Na ocasião, o argumento fundamental da nossa petição – fomos admitidos como amici curiae na Suprema Corte americana e conseguimos a mudança da jurisprudência -, naquele caso, era o seguinte: diversas constituições do mundo declaram qu e a vida começa na concepção, nenhuma constituição do mundo declara que é um direito fundamental da mulher fazer o aborto, o que vale dizer, em outras palavras, que a matéria não teria, e foi isto que foi aceito, admitido, pela Suprema Corte americana, matéria que seria da competência da Suprema Corte americana.
Isso eu gostaria de trazer para a reflexão dos eminentes ministros da minha terra, do meu país, da Suprema Corte, a quem eu respeito e sustento nessa casa desde 1962, de que efetivamente a vida começa na concepção.
O próprio Supremo Tribunal Federal, na presença de Carlos Ayres Brito, ou melhor, em uma relatoria dele, fez uma audiência para saber quando começava a vida, e disseram os diversos cientistas, que estiveram presentes, que começa na concepção.
Eu vou mais longe. A Academia de Ciências do Vaticano – e eu represento União dos Juristas Católicos de São Paulo – no começo do século fez uma audiência para saber quando começa a vida, e decidiram, naquela ocasião, examinando que, no zigoto, na primeira célula, na concepção, há um ser humano. E Academia de Ciências do Vaticano, tem 80 membros, naquela ocasião, entre os 80 membros, 29 prêmios Nobel, o que vale dizer, cientistas do maior reconhecimento internacional. Infelizmente o Brasil não tem nenhum prêmio Nobel, mas os cientistas da Academia de Ciências do Vaticano, que decidiram naquele momento (eram nada menos, nada mais, do que 29 prêmios Nobel), disseram que a vida começa na concepção, e muitos deles não católicos. E Academia de Ciências do Vaticano , é de ciência, não é de religião.
Um outro aspecto que eu gostaria de trazer aqui para os senhores, e me parece também de importância. Se a vida não começa na concepção, se a vida vai começar quando o feto tiver a forma de feto, o que é aquele ser vivo, desde a concepção até a caracterização de um feto? É um animal?
Me lembro até de um fato curiosíssimo. Jérôme Lejeune, grande geneticista da Academia de Letras da França, que foi quem detectou a Síndrome de Down, localizando exatamente a razão da formação da Síndrome de Down, certa vez esteve na Inglaterra e foi entrevistado pela BBC de L ondres. Naquela ocasião, algo interessantíssimo, um dos repórteres disse ‘professor, nós temos aqui a lei dizendo que até a 12ª semana não há um ser humano, que na prática há vida realmente, há um ser humano a partir do feto, por isso nós permitimos o aborto.’
Qual foi a resposta do professor Jérôme Lejeune, do acadêmico Jerome Lejeune, daquele que descobriu exatamente a razão de ser da Síndrome de Down? Disse o seguinte, disse ele ‘há uma vida, se não há um ser humano, há um ser animal. Se os ingleses tiveram, e têm uma rainha da Inglaterra que foi animal durante três meses para depois ser um ser humano, é um problema típico dos ingleses. Eu fui ser humano desde a concepção.’
E deixou o repórter muito sem graça, porque nós somos seres humanos, e tanto é verdade que o legislador brasileiro conhece, reconhece a existência de um ser humano desde a concepção; como os ovos de tartaruga, quem destruir ovos de tartaruga comete um crime, porque sabem que lá é um embrião de tartaruga, como é um embrião de ser humano no ventre materno. As tartarugas valem mais que um ser humano? O mais importante ser vivo que mereceria toda a garantia do Estado, tem menos valor que uma tartaruga, que um feto de urso panda, ou de baleia.
Onde é que nós estamos? Se é um ser humano, é um assassinato de ser humano. Se é um ser humano que temos desde a concepção, o que temos ao destruir os seres humanos na sua forma embrionária até a 12ª semana, é evidente que nós estamos com um assassinato uterino, um homicídio uterino. É isso que está se discutindo, é isso que está no Código Civil, desde Clóvis Beviláqua, que, quando convidado para ser ministro da Suprema Corte, não aceitou porque entendia que não tinha o notável saber para ser ministro da Suprema Corte.
O jurista Clóvis Beviláqua pôs, lá no artigo 4º do antigo Código Civil – está no artigo 2º do atual Código Civil – que todos os direitos são assegurados ao nascituro desde a concepção, reconhecimento pelo direito, que é na concepção que nasce ser humano. E os senhores querem dizer que todos são assegurados, menos um direito sem importância que é o direito à vida. Há lógica nisso, assegurar todos os direitos no Código Civil, no artigo 2º, menos um direito sem importância que é o direito à própria vida.
O Código, a nossa Constituição, vai muito mais longe. Na Constituição anterior, estavam assegurados direitos concernentes à vida, e agora nós temos a inviolabilidade do direito à vida, dessa vida que só pode começar na constituição, nós não temos um se r animal que depois vai virar um ser humano.
Então me parece que essa discussão que deveria ser feita e eu participei de audiências públicas, algumas no curso desses anos, no Congresso Nacional, porque foram eles eleitos pelo povo, são eles os soberanos, são eles que podem dizer o que é democracia. A função importantíssima da Suprema Corte é garantir a
Constituição, mas cabe aos que representam o povo definirem, e essa é a razão do desconforto, que se lê nos jornais, quando pautaram uma discussão para que o Supremo Tribunal Federal decidisse a respeito, me parece que efetivamente haveria necessidade de uma reflexão sobre a matéria.
Com todo o respeito que todos os senhores sabem que é imenso, e tenho repetido isso inúmeras vezes em todas as minhas palestras, nos meus escritos, no meu Instagram, cada vez que eu me comunico, através, inclusive, de televisão, o meu grande respeito por todas as Vossas Excelências, apesar de ser muitís simo mais velho e sustentar perante essa Casa desde 1962, sei perfeitamente do conhecimento e o valor de Vossas Excelências, mas estou convencido de que Vossas Excelências são magistrados, são técnicos, e cabe ao povo saber, e quando o Congresso não decide sobre uma matéria, é porque os deputados, os senadores, estão afinados com o que pensa o povo.
Mais do que isso, nessa matéria, já há legislação, e o que se pretende é mudar a legislação, e, quando o Congresso não decide em mudar a legislação, é porque sentem que o povo prefere ter a legislação que está, no momento, regendo a matéria do aborto.
Essa é a razão pela qual, ao final, dessas rápidas considerações nessa audiência virtual, eu gostaria de reiterar. Primeiro, nós estamos perante uma matéria que é da competência do Congresso, cabendo ao Supremo Tribunal Federal ser o guardião da Constituição, e não um novo legislador a respeito da matéria, a preliminar que levanto.
Segundo, no mérito, sendo inviolável o direito à vida, sabendo que a vida começa na concepção – e todos os cientistas declaram isso, inclusive a Academia de Ciências do Vaticano, com 29 prêmios Nobel, que a vida começa na concepção, e todos nós que fomos zigoto, éramos seres humanos desde aquele momento, como são os ovos de tartaruga, para os embriões de tartaruga -, que essa inviolabilidade do direito à vida seja reconhecida. E que essa DPF não seja, evidentemente, acolhida por essa Casa, porque respeitaria, sim, o direito à vida de um lado, e a competência do Congresso de outro. Muito obrigado.”
Ives Gandra da Silva Martins é advogado tributarista/constitucionalista, professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PU Cs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
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